segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Joana Havelange: 'Mostro competência com trabalho'

Leo Burlá e Michel Castellar - 10/12/2012 - 07:05 Rio de Janeiro (RJ)

Joana Havelange - (Foto: Cleber Mendes)
Joana Havelange fala sobre trabalho no COL e outros assuntos (Foto: Cleber Mendes)

Do peso de ser filha de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e neta de João Havelange, presidente de honra da Fifa, até a pressão sofrida por estar na linha de frente de comando do Comitê Organizador Local da Copa (COL), após uma indicação familiar. Joana Havelange baixou a guarda e resolveu falar ao LANCE!net.

Entrevista exclusiva é coisa rara na vida da executiva do COL. Mesmo em coletivas de imprensa e eventos públicos, costuma fugir dos holofotes. Faz parte da personalidade, garante. Da mesma maneira que demonstrou despojamento, Joana não se incomodou em terminar o silêncio autoimposto e se desnudar para revidar às provocações.

– Sou quieta, na minha. A exposição de a toda hora estarem falando me deixa chateada. E, normalmente, as pessoas não me conhecem, falam coisas que não são verdade. Mas sabia que estaria sujeita a isso – contou Joana.

Em 45 minutos de entrevista, foi fácil perceber que Joana não tem o linguajar ou os trejeitos comuns a executivos do nível do cargo que ocupa. No COL, comanda 40 das 115 pessoas da equipe.

– Estão vendo? Estou trabalhando, como faço todos os dias. Todo mundo diz que não trabalho – divertiu-se Joana, ao receber o LANCE!net, em sua sala no COL, em uma tenda no pátio do Riocentro. Em janeiro, a entidade irá para um pavilhão do centro de convenções.

Joana Havelange recebeu a reportagem do LANCE!Net em sua sala no COL (Foto: Cleber Mendes)

O alívio das pressões por carregar dois sobrenomes ligados a vários escândalos no futebol brasileiro e mundial vem dos filhos: João, de 11 anos, e Júlia, 8. Musculação, andar de bicicleta, tai chi chuan e meditação são os complementos para conter a ansiedade.

– Tenho sorte que meus filhos entendem 100%. Digo a eles que é a história que a gente está fazendo. Meu filho é louco por futebol, mas é só para jogar. Torce para o Barcelona e é vascaíno por influência do pai. Foi um golpe – lamentou a flamenguista Joana.

> Confira a entrevista exclusiva com Joana Havelange:

Como é o seu dia a dia no COL? O que faz?
São sete áreas sob minha direção: Marketing, Eventos, Compras, Recursos Humanos, Responsabilidade Social, Protocolo e Planejamento. Por exemplo, Compras. Não compramos nada sem ter a assinatura da Ernst & Young. Apesar de sermos uma empresa privada, procuramos atuar como se fôssemos pública. Então, faz-se a cotação com três ou quatro empresas, vê-se o melhor custo-benefício e o vencedor é escolhido. É preciso acompanhar esses pagamentos, checar todo o processo.

E você seria o elo entre o Ricardo Trade (diretor de Operações e futuro CEO do COL) e o presidente José Maria Marin?
Não. Tudo o que faço aqui sempre converso com o Baka (apelido de Trade) e ele comigo. Porque nossas áreas trabalham juntas. E um quer a opinião do outro. O presidente tem uma linha direta com o Baka e uma linha direta comigo. A participação do Marin é superimportante porque ele é o nosso presidente, é a voz forte que temos. Quando chegou, não tinha conhecimento. Ele entendia da CBF, da Federação Paulista, por ser vice-presidente, e fomos ensinando tudo. Hoje, tudo o que fazemos passa por ele. O nosso presidente anterior também era bem assíduo no comitê, não mudou muito.

Você virou um nome famoso do dia para a noite. Antes, tinha uma vida mais sossegada. Como foi essa mudança?
Neste trabalho, sabia que isso poderia ocorrer. Mas, para falar a verdade, não mudou muito. Faço as mesmas coisas, não sou muito de sair. Fico mais em casa com os meus amigos.


Joana crê que Copa pode mudar imagem do Brasil no exterior (Foto: Cleber Mendes)
    

Mas há uma pressão natural pelo seu parentesco. É como comparar com filhos de artistas que se lançam na profissão dos pais?
O que estamos fazendo é algo que todo mundo está olhando, acho normal que aconteça. Tem de mostrar com o nosso trabalho. Estamos, aqui, trabalhando todo o dia. E a gente mostra fazendo os eventos que estamos vendo. Como, agora, com a Copa das Confederações.

Sobrenome, no seu caso, sobrenomes ajudam no dia a dia?
Não. De forma alguma, estamos aqui o tempo todo. Mas deixa eu falar uma coisa: todos, aqui, trabalham com a expectativa de estar fazendo um pouco pelo país. Nas conversas, falamos sempre da Alemanha, que após a Copa de 2006 mudou sua imagem perante o mundo. E acho que é por isso que todo o brasileiro deveria se unir. Temos uma oportunidade de mostrar ao mundo o Brasil que muita gente não conhece. Mostrar os estádios bem organizados, o transporte funcionando, tudo funcionando para o turista. É para isso que trabalhamos.

Mas a sua capacidade foi posta em xeque várias vezes por causa de um suposto apadrinhamento pelas suas relações de parentesco. Isso te machuca?
Com meu avô e meu pai, já foi assim a vida inteira. Não achei que fosse ser diferente comigo. Se fosse diferente teria sido uma grande surpresa. É algo que esperava. Lógico que não é uma coisa agradável ver todo dia gente falando mal de você, mas prefiro não ver isso e fazer o meu trabalho, que é a melhor forma de mostrar minha competência. E, depois, quem pode falar de mim são as pessoas que trabalham comigo e veem o que faço. Elas podem dizer se sou boa ou não, apadrinhada ou não.

Como foi sua trajetória até chegar a ser diretora do COL?
Trabalhei em um corretora, administrando três restaurantes, depois abri uma empresa de marketing direto, que precisei deixar para me dedicar à gestação, porque engravidei. Fui proprietária de uma marca de bolsas, que deixei porque o capital a ser investido era grande. Até que comecei a trabalhar com o esporte: ATP de tênis, Mundiais de Beach Soccer, em 2005, e 2006. Em 2007, entrei na campanha do Brasil para receber a Copa. Minhas áreas de atuação sempre foram administração e marketing.

Jérôme Valcke falou que a relação entre Fifa e Brasil é um casamento que não pode ser desfeito. Qual a sua opinião sobre os desentendimentos que aconteceram?
Jérôme é apaixonado pelo Brasil, já passou vários réveillons aqui, trouxe a família. Ele é uma das pessoas que mais querem que isso dê certo, que torce pela gente. Acho que na parte do governo federal, teve aquele mal estar mas foi naquele momento, passou.

Qual a pergunta que as pessoas mais te fazem sobre a organização da Copa?
Como a imprensa sempre fez grande alarde, de que estava tudo atrasado, as pessoas sempre perguntam se os estádios vão ficar prontos. E respondo: vão ficar prontos, vocês irão ver.

E por que a imprensa teria criado esse alarde?
Não sei, porque é um processo complicado. Vocês têm de pensar que os estádios vão para licitações, e demora. Criou-se uma ansiedade nossa. Aí, começaram a falar: não começou, não começou. Mas é nessa hora que é preciso explicar que tudo está dentro do cronograma.

Joana diz que não vê muita diferença entre comando de Teixeira e o de Marin (Foto: Cleber Mendes)

Você tem sob o seu comando 40 pessoas. E esse número vai crescer até a Copa. Como lida com essa responsabilidade?
Lógico que quando você lida com gente, todo mundo sempre tem um dia bom ou ruim. Mas temos algo que joga a nosso favor e contra. O contra é que todos nós seremos demitidos na data tal, não tem história. Mas o ponto a favor é que a gente não tem tempo para nhenhenhém, de gente que fica na empresa falando um do outro. Falo no sentido de que temos de entregar a Copa do Mundo. Não dá tanto tempo para a fofoca, porque as pessoas têm de trabalhar em conjunto.

A questão da imagem, como você disse, é muito importante. Qual é a que o Brasil deixará?
Sou superpatriota. Vejo várias coisas acontecendo e melhorando no nosso país. No Rio de Janeiro, há um tempo, me sentia mais insegura. Hoje, não. E o turista que está vindo vai ter uma noção da nossa realidade de hoje. Que as coisas funcionam, que vai estar tudo organizado, porque, senão, aparece sempre que somos animados. Somos animados também, mas temos várias outras qualidades. Por exemplo, em São Paulo, o turista vai comer nos melhores restaurantes do mundo e notar que a cidade é uma capital financeira mundial, como Nova York e Hong Kong.

Por falar em segurança, as perguntas e desconfianças em relação ao Brasil, nesta área, diminuíram ou aumentaram?
Melhorou bastante. Ainda bem. Mas, às vezes, quando estou viajando, sempre vem uma pessoa que pergunta. Digo que o país está mudando e preciso explicar tudo porque as pessoas criam um mito que não existe. Mas é o turista. Até porque, a Fifa, quando está aqui, não pede carro blindado, nada disso. Se estivesse preocupada, pediria.

Um outro problema do Brasil é a falta de mão-de-obra. E a Copa-2014 ainda tem de competir com os Jogos Olímpicos Rio-2016 na contratação de profissionais. Enfrentou esse problema?
Tínhamos essa preocupação mas a disputa não aconteceu. O que pode ter ajudado é o fato de termos começado dois anos antes. E a mão-de-obra em si não chegou a ser um grande problema. As pessoas perguntavam se não ia ser problema e, na prática, até hoje, não foi.

    
Joana Havelange garantiu que não quer presidir CBF (Foto: Cleber Mendes)

E de que maneira são feitas essas contratações?
As contratações não têm indicações, a não ser um ou outro cargo de confiança mas, mesmo assim, o currículo passa por uma análise comigo, com o Baka e a diretoria de Recursos Humanos. Todas as áreas são livres para irem ao mercado e contratar. Recebemos muitos currículos e formamos um banco. Quando precisamos de alguém e ainda vamos precisar de muitos, também recorremos a esse banco.

E os planos para o futuro?
Quero estudar, fazer um doutorado e dedicar tempo para meus filhos. Porque com esse trabalho todo, acabo por não ficar com eles.

Não quer emendar com os Jogos Olímpicos Rio-2016?
Calma. Assim, fico maluca. Vou mesmo é dar uma respirada. Tem gente que é louca e vai querer continuar, mas eu não.

Você se vê exercendo alguma função no esporte?
Não. Me vejo fazendo todos os esportes que gosto, praticando. Mas não trabalhando com isso.

Você quer ser presidente da CBF ou de algum clube?
Não! De forma alguma, já chega de vocês falarem mal de mim (risos). Não tem a menor chance. O tempo inteiro me colocam lá (na CBF). Eles querem porque querem me colocar, eles, digo, vocês da imprensa. Mas não tem a menor chance. Nem tenho essa vontade e nem acho que tenho esse sangue. Não é para mim. Na verdade, acho que, se vocês estivessem, aqui, dia a dia, iriam ver que sou mais uma formiguinha que fico trabalhando. Essa parte política, que um dirigente sempre tem de ter, não é muito o meu perfil.